COLUNA MÁRIO BORTOLOTTO #3

[ foto/frame: Trip TV ]

RECEITA PARA NOVOS E PRETENSOS ENCENADORES DOS MEUS TEXTOS

Sempre fico chateado com a maioria das montagens de minhas peças que assisto por aí. Os caras estudam Shakespeare, Nelson Rodrigues e Koltés e querem encenar um texto que escrevi. Fica difícil. Pq eu não tenho praticamente nada a ver com isso, apesar de achar que os três citados são muito fodões. E são mesmo. Mas aconselho quase que humildemente a quem quiser se aventurar a encenar outro texto meu a ler muito gibi (eu aprendi a ler com gibi), ver muito filme alternativo (Jarmush, Cassavetes, Abel Ferrara e Hal Hartley por exemplo) e inclusive muito filme "B" e tido como "menor" (entendam que eu sou fã de Stallone, Carpenter, Rob Zombie e George Romero por exemplo). Esqueçam David Lynch, Almodovar, Lars Von Trier, etc. Eu não tenho nada a ver com isso, embora também considere os três citados muito fodões. Mas se quiserem realmente montar um texto meu, tentem ler os caras que realmente mudaram minha vida (Bukowski, Spillane, Henry Miller, Kerouac, Chandler, Goodis, Carver, etc). Também tem que sair pra rua, beber até de manhã com alguns amigos engraçados e apaixonados. Tem que se envolver, e se tiver sorte e reciprocidade da parte delas, transar algumas mulheres ou até muitas mulheres (faz bem pra caralho - ou com o sexo que vcs curtirem mais), mas também tem que se apaixonar por uma e ficar muito mal quando ela te deixar e trocar por outro mais bacana. Você sabe que tá sempre no fim da fila dos caras bacanas, né? E tem que fazer alguns poemas decentes quando isso acontecer. Tem que ouvir muito blues (porque só no blues está toda a verdade). E tem que ter to da a melancolia necessária. Tem que saber que nada vai dar certo e tem que saber todas as regras do jogo e não deve usar nenhuma delas, porque na verdade você não deve trapacear com a vida em benefício próprio. Tem que estar disponível pra ser socado na cara quando a luta começar. Não tem que ter vergonha de sentir tudo do jeito mais intenso possível. E errar, e se arrepender. E voltar atrás. E não pode ter medo do erro, porque no erro reside toda a santidade. Ou você realmente acha que os santos são perfeitos? Você acha mesmo que eles já não se pegaram amaldiçoando o Deus impassível que armou essa pra eles? E tem que chorar sozinho vendo alguma cena de algum filme que você já viu novecentas vezes. Tem que ter orgulho das cicatrizes. Só assim vai ser possível. Se você não estiver estômago para isso, te aconsel ho a encenar algum Shakespeare ou algum Nelson Rodrigues (eles são bons pra caralho, eu reconheço, e isso não é nenhuma ironia) e me esqueçam. Eu não tenho nada a ver com isso. E talvez eu não tenha nada a ver com vocês.

- Mário Bortolotto.

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