COLUNA MÁRIO BORTOLOTTO #6

 

[ foto/frame: Trip TV ]


VOU AO TEATRO E COSTUMO RECOMENDAR
 
Trabalho com teatro. Faço há pelo menos 42 anos. Vivo basicamente de teatro. Monasticamente, mas vivo. Me sinto autorizado a discutir o assunto. Depois de 27 anos consegui comprar uma quitinete e hoje tenho um apartamento maior, mas continuo sentindo saudades da minha quitinete. Não tenho carro e nenhum outro bem material cobiçável, a não ser é claro, meus sagrados discos e livros, mais valiosos que qualquer outra coisa material, pelo menos pra mim. Faço teatro há 42 anos, sem concessões. Só faço o que gosto e o que acredito. Mesmo quando sou convidado para fazer outro trabalho com outra rapaziada. Só faço se acreditar ou se estiver pelo menos me divertindo. Nunca fiz nada simplesmente por dinheiro. Não que não goste de dinheiro, só não acho premissa fundamental. Há coisas muito mais importantes. Alguns me acham ingênuo. Meio bobo mesmo. Não tô nem aí. Só de Grupo eu já tenho 40 anos de trabalho. Não me arrependo nem por um segundo. Quando comecei era apenas um garoto que gostava de cinema, literatura, quadrinhos e rock and roll. Não mudei muito. Só aumentaram as rugas e cabelos brancos. Hoje continuo gostando das mesmas coisas, ou seja, de cinema, literatura, quadrinhos e rock and roll. Faço literatura, publiquei romances, contos e poesias. Faço rock and roll. Canto em duas bandas (“Tempo Instável” e “Saco de Ratos) músicas próprias e de caras que eu admiro. Já trabalhei como ator em cinema e televisão. E também fiz alguns filmes zero orçamento como diretor. Mas sempre vivi basicamente de teatro. É o que me permitiu continuar existindo, apesar de minhas escolhas suicidas. E ao longo desse tempo, fazendo e vivendo teatro, foi que percebi o enorme preconceito que cerca essa arte tão fodida e tão pouco valorizada. Meus amigos de outras áreas e que não costumam assistir teatro (sequer as minhas peças) costumam dizer que é uma arte “mala”. Não querem nem ouvir falar. Teatro sempre teve essa fama de “arte chata e afetada” e o clímax de tudo se deu nos anos 80 quando a turma do “Casseta e Planeta” lançou no mercado a camiseta com a vexatória inscrição “Vá ao Teatro mas não me chame”. De onde vem todo esse preconceito, afinal? Até entendo que certos espetáculos contribuem de maneira escandalosa para que esse preconceito se acentue. Vejamos alguns exemplos: Teatro de mais de quatro horas com cantorias e rituais sem s entido pregando a liberdade do culto dionisíaco e outras bobagens do tipo. Teatro hermético, verborrágico sem sentido, ou simplesmente imagético e oco. Teatro com sujeitos pelados pintando o corpo numas de "agredir a sociedade" (ah, meu Deus!). Teatro comercial babaca com comediazinhas rasteiras que apenas copiam o formato imposto pela televisão. Teatro feito para cursinhos universitários de adaptações de clássicos da literatura brasileira que devem cair no vestibular. Teatro-escola do tipo que ainda se escora na premissa burra de que “estamos formando um novo público” (conversa mole). Teatro infantil que trata as crianças debilmente. Teatro feito por atores de tv desempregados que tem o único intuito de atrair os diretores de casting de emissoras para que voltem para a televisão. Teatro feito por gente que nunca lê porra nenhuma e não tem nada pra diz er a não ser uma sucessão monstruosa de clichês (não fazem merda nenhuma de suas vidas a não ser freqüentar restaurantes da classe e testes para comerciais). Teatro interativo e constrangedor que obriga a participação do público. Esse tipo de gente e aquele outro tipo que afirma que “Teatro é sonho” são os principais responsáveis por ratificar essa fama de que “teatro é chato”. Teatro não é sonho. Teatro é trabalho e é sério. Teatro é suado e pesquisado. É um puta trampo e quem estiver disposto a fazer, vai ter que encarar uma arte difícil e que não resulta em compensações financeiras. Nem os espetáculos mais badalados costumam sustentar uma Companhia apenas com bilheteria. Ninguém em sã consciência que opta por fazer teatro (de verdade), acredita que vai ganhar d inheiro (de verdade) com o seu trabalho. Então, meu amigo, volto a dizer, Teatro não é sonho porra nenhuma. É quase um pesadelo. Mas vale a pena. Afinal a vida de verdade é um pesadelo. Teatro às vezes pode ser muito chato, mas o cinema também, a literatura também, quadrinhos também. E o rock and roll também. E eu gosto de ir ao teatro, assim como gosto de ir em feiras de quadrinhos, lançamentos de livros, cinema ou shows de rock and roll. Há atores que dizem que não assistem peças e justificam sua atitude com a seguinte afirmação “já faço teatro na metade da semana. Na outra metade não quero nem ouvir falar de teatro”. Dá vontade de vomitar quando ouço alguém que se diz ator falando uma merda dessas. São uns bostas egocêntricos que só gostam de ficar admirando o próprio rabo no espelho . Esses sujeitos não gostam verdadeiramente de teatro. Não devem gostar de nenhuma espécie de arte. Não devem gostar da própria mulher ou de seus próprios filhos. Só deve gostar de seu reflexo narcíseo. Cuzões, enfim. Quando ouço um merda falar assim, saio de perto, simplesmente. Gosto de teatro, assim como gosto de uma porrada de coisas. Teatro às vezes é chato. E às vezes pode ser muito legal, como um bom show de rock and roll ou blues, como um ótimo filme, um ótimo livro ou uma tarde que você passa sentado na areia de uma praia contemplando o mar.
- Mário Bortolotto.

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